Sunday, January 14, 2007

Das Utopias

Se no mundo hodierno toda utopia é invariavelmente difamada como ilusão, não é só porque se apresenta como ilusão aos olhos mais acomodados, mas também porque os espíritos já estão por demais diluídos na mentira, para assim, em um repente se voltar contra ela. Nem mais todo o sofrimento que possa ser infligido aos menos poderosos pode rebelá-los. O sofrimento, a putrefação, a pobreza já se encravaram nas carnes e das carnes já não escorre sangue algum, tudo se tornou próprio, “se tornou natural”. Até os traficantes dos morros e das favelas, de certo modo, permanecem pobres mesmo já enriquecidos pela venda de drogas: vivem nos mesmos lugares, já que não podem sair de seu lugar de trabalho. O desejo de poder tem sido um fim em si mesmo, poder para ser exercido. E os olhares ensandecidos por trás das máscaras dos terroristas nada mais são que a reprodução de toda loucura em que vivemos: a rebelião vem como espelho sem dialética. Os ideais que regeram por longo tempo o mundo ocidental: liberdade, igualdade e fraternidade são não só vistos por alguns como já concretizados, mas também como sonho inalcançável. A busca já não é pela paz, ou pelo amor, mas por breves momentos de paz e por breves momentos de amor. As drogas insurgem como libertadoras da mente, que a própria sociedade prendeu, sem conteúdo a mente pode se libertar, mas se liberta para repetir o que já vinha fazendo em uma liberdade oca, vazia.
Uma liberdade irrefletida só pode levar à barbárie, ou a outras regressões. E enquanto o extermínio continua a classe média ocidental busca aquilo que há de mais retrógrado: toda forma de individualismo. A sociedade depressiva, do pânico altera a química e os corpos; e em um prazer quase servil se rende a remédios, a cirurgias plásticas e a esteróides. A auto-ajuda toma conta das idéias se proclamando como a filosofia dos novos tempos, uma filosofia que se nega a pensar. Um livro de auto-ajuda só pode ajudar a si mesmo, ou ao seu autor, já que se é “auto-ajuda”. A maioria desses livros alienam os leitores das questões sociais deixando em vista apenas questões individuais, são a coqueluche do capital. A indústria cultural já ganhou seu status de religião, ou até divino: é onipresente: está em todo lugar, nas rádios, tvs, outdoors...; é onipotente: tem o poder de emplacar a ideologia em todas as mentes, criar desejos...; e, por fim, é onisciente sabe o que seus consumidores pensam e o que desejam. Como deidade nada foge ao seu aparato industrial, aos mais humildes, como se opor àquilo que lhes dá prazer, mesmo que falso e efêmero, é um dos poucos prazeres que se conhece.

continua...